O sonho de toda empresa de games é ver seus lucros crescerem ano após ano, aumentando sua participação de mercado e oferecendo gordos dividendos aos seus investidores. A revolução causada por gigantes como League of Legends, Fortnite e Genshin Impact foi capaz de mudar totalmente a linha de pensamento dos executivos do setor de jogos eletrônicos, provando que nem todo produto precisa ter um valor de venda inicial para atingir patames astronômicos de receita.
Uma Mudança de Paradigma
O padrão até o início dos anos 2000, ao menos quando falamos do mercado de consoles, era produzir jogos focados em experiências single-player, com muitos recursos direcionados para a parte de jogabilidade, história e poder de disseminação. A internet ainda dava seus primeiros passos, fazendo com que a propaganda boca-a-boca fosse a mais efetiva de todas. Era preciso entregar um game em perfeito estado, capaz de cativar os players desde o instante que fosse lançado nas lojas, pois não existia forma de atualizar o produto, realizar correções ou adicionar novos conteúdos.
Franquias como Devil May Cry, Need for Speed, Crash Bandicoot, Super Mario, Final Fantasy e Mega Man reinavam no imaginário dos jogadores, por oferecerem experiências cativantes e lotadas de elementos únicos. Tudo mudou quando o gigante Counter-Strike foi lançado, lotando lanhouses e oferecendo a possibilidade de disputar partidas repletas de imprevisibilidade, pois agora não seriam mais bots, mas sim pessoas reais que seriam nossas adversárias. Este não foi o primeiro jogo competitivo já lançado é claro, mas a sua popularidade cresceu com velocidade estrondosa. Da mesma forma que futebol e basquete são esportes populares graças ao instinto competitivo inato em nós seres humanos, agora o mundo dos games também seria utilizado como uma arena para separar campeões dos perdedores.
Não Vamos mais Vender Jogos!
A estrutura de rede mundial avançava a passos largos, permitindo que bilhões de pessoas se conectassem à internet e disputassem partidas online. World of Warcraft foi outro grande marco da indústria, pois permitiu que a sua desenvolvedora Blizzard não apenas vendesse o jogo, mas cobrasse uma mensalidade de toda a sua base de jogadores. No Brasil, os games distruibuídos pela LevelUp Games também trabalhavam com o mesmo modelo, oferecendo cartões pré-pagos contendo créditos em forma de dias de acesso a experiências como o famoso Ragnarok Online.
Para completar a preparação deste grande palco chamado mercado de games, o lançamento da Apple Store no Iphone seria capaz de converter usuários tradicionais em jogadores, oferecendo jogos por centavos de dólar. E então, a união de todas as inovações que haviam ocorrido até então se apresentou: o modelo Free-To-Play. Mas como seria possível lucrar se os jogos não seriam mais comprados? Simples: vendendo moedas especiais que será utilizadas para se adquirir skins (roupas) para os personagens e itens visuais especiais, os consumidores gastariam dinheiro sem perceber o valor real das microtransações. O jogador baixaria o jogo “de graça”, ficaria cativado pela experiência e então investiria seu suado dinheiro para se destacar em meio aos outros jogadores, sentindo-se superior pelo simples fato de ter algo que outros não teriam.
O Nascimento dos Games as a Service
Com as últimas duas gerações de consoles sendo compostas por aparelhos intensamente focados nas experiências online, a barreira entre PCs e videogames tradicionais estava enfim derrubada. Monstros como Fortnite, Overwatch e GTA Online foram capazes de reunir dezenas de milhões de jogadores simultâneos, inaugurando assim a Era dos Games as a Service. A expressão, que vem do inglês, significa “Jogos como Serviço”, que significa uma classe de jogos que serão atualizados constantemente, sempre recebendo mais personagens, cenários e conteúdos. Pela descrição parece ótimo não é mesmo?
Todo jogo Game as a Service, via de regra, é lançado em um estado incompleto. Seja ele gratuito ou pago, o comum é recebermos um game com pouco conteúdo, lotado de bugs e falhas, que deveria ter ficado mais tempo em desenvolvimento. A ideia é expandir a estratégia dos jogos de acesso antecipado, captando os recursos dos consumidores antes mesmo de se ter um produto finalizado. O resultado é uma experiência medíocre que irá melhorar gradativamente conforme o passar dos meses.
Será que existe espaço para todos?
A possibilidade de lançar um produto que seguirá arrecadando montanhas de dinheiro por anos é uma das maiores fantasias dos acionistas e investidores do mercado de games. Após um investimento inicial de algumas dezenas de milhões de dólares, a base instalada de jogadores passa a pagar pelos custos de desenvolvimento, comprando roupas, armas e passes de batalha. Os gastos com propaganda também acabam sendo mitigados, pois os principais títulos multiplayer que operam como serviços recebem cobertura intensa por parte de streamers e youtubers. Mas será que existe espaço para todos?
É preciso considerar que, via de regra, cada pessoa só consegue dedicar seu precioso tempo a apenas um multijogador por vez. Raramente você verá alguém que é ativo na comunidade online de League of Legends e Fortnite ao mesmo tempo, por exemplo. A consequência disso é um pequeno número de games detendo o monopólio do mercado, enquanto centenas ou até milhares de projetos de outros estúdios, grandes e pequenos, afundam para serem esquecidos em questão de poucas semanas. Sim, este modelo de negócios movimenta muita grana; mas entrar na competição ferrenha dos Games as a Service é praticamente impossível, mesmo para gigantes como EA, Konami ou Sony.
O Maior Fracasso da História da Playstation
Para comprovar o ponto que estou defendendo, de queos jogadores não aguentam mais tantos jogos como serviço, trago aqui o caso da senhora Sony. Em meados de 2016, no auge do sucesso de Overwatch da Activision Blizzard, a gigante japonesa dona da marca Playstation decidiu investir em um novo estúdio para o desenvolvimento do seu próprio hero shooter. Concord seria um jogo de tiro multijogador baseado em personagens com habilidades especiais, com foco nas disputas 5×5, algo que, na época, estava muito em alta.
Acontece que Concord acabou demorando 8 anos para ser concluído, provavelmente impactado pela transição de hardware entre PS4 e PS5, além de ter sido afetado pela pandemia, a qual dificultou intensamente o desenvolvimento de jogos durante o período. Com um investimento de mais de 100 milhões de dólares, Concord vendeu apenas cerca de 25 mil cópias, somando Steam, Epic Game Store e Playstation 5, com um preço sugerido diferenciado: 40 dólares. Acho que é meio óbvio que a Sony não ficou nada satisfeita com o resultado, ainda mais sabendo que o pico de jogadores simultâneos da Steam foi de menos de 700 pessoas.
Por conta do enorme fracasso do seu novo Game as a Service, a Playstation optou por devolver o dinheiro de todos que haviam comprado Concord e fechar os servidores do título de maneira indefinida. E o supreendente é que esta decisão foi tomada em tempo relâmpago: apenas duas semans após o lançamento do game! Entre os motivos para o fraco desempenho do jogo estão: o aspecto genérico dos seus personagens; a falta de timing do lançamento; e o advento de Marvel Rivals, um hero shooter gratuíto baseado em um universo de propriedades intelectuais extremamente populares.
E agora, para onde vai o Mercado de Games?
Estamos passando por uma revolução no mercado de games, onde os ciclos de desenvolvimento são cada vez mais longos, elevando significativamente os custos de produção. Grandes franquias seguem sendo relevantes, como Call of Duty, GTA, Diablo, Street Fighter, Zelda e Assassin’s Creed, porém novas IPs também estão demonstrando um grande potencial latente.
As grandes empresas devem seguir gastando muitos recursos na tentativa de emplacar o seu próprio Game as a Service nos próximos anos, inevitavelmente colhendo prejuízos e decepção. Exemplos de sucesso como Astrobot e Black Mith Wukong devem se multiplicar, lentamente mudando a percepção dos acionistas do mercado de games, demonstrando que experiências single-player focadas em jogabildade e diversão são uma excelente opção de investimento.
Sony e Microsoft devem se inspirar no modelo de negócios da Nintendo, reduzindo o orçamento da maior parte dos seus novos títulos e cessando a corrida em busca de gráficos absurdos com ray-tracing que tentam se aproximar da realidade. Fora da bolha nintendista, veremos cada vez menos acordos de exclusividade, com jogos lançando simultaneamente para consoles e PC.
O futuro do mercado de games deve ser marcado pelo renascimento de franquias antigas há muito tempo esquecidas e por novas propriedades intelectuais que serão o ápice de cada gênero de jogos. Muitos títulos devem ter versões para mobile, consoles e PCs, apontando para a convergência da tecnologia. Acima de tudo, uma coisa é absolutamente certa: os jogadores terão dezenas de jogos incríveis para apreciar nos próximos anos!