A crise do mercado de games tem feito que cada vez menos estúdios arrisquem trabalhar com novas franquias, apostando em continuar trazendo sequências de séries renomadas. Os altos custos de desenvolvimento desta geração de consoles praticamente cortou todas as possibilidades de inovação e surpresa que acompanharam a evolução dos jogos digitais até aqui, restando aos Indies a tarefa de satisfazer a fome dos gamers por novas experiências. É exatamente nesse contexto que ocorre o lançamento de The Plucky Squire, carinhosamente traduzido para O Escudeiro Valente, publicado pela rainha Devolver Digital junto à promessa de ser um produto único em um ecossistema saturado de repetição e padronização. Mas será que vale a pena jogar?
UMA PROPOSTA INTERESSANTE
Fugindo do tradicional método de copiar grandes clássicos da indústria, O Escudeiro Valente traz uma premissa simples, porém genial: apresentar uma aventura épica envolvendo um personagem famoso de livros infantis que de repente descobre ser capaz de muito mais do que imaginava.
Pontinho é o clássico protagonista das obras de ficção: bondoso, humilde, alegre e poderoso. Sua vida gira em torno de derrotar o terrível Enfezaldo, um mago sombrio que deseja conquistar o reino, representando o popular conflito entre bem e mal. Tudo corria bem, até o momento que o feiticeiro utiliza um poderoso encantamento para interagir com o mundo externo, buscando forças além das páginas de livro que habita.
O jogo, através desta inusitada proposta, traz reflexões muito importantes aos habitantes de Artia: se eles são apenas personagens secundários de uma história, será que as decisões deles realmente importam? Será que todos ali tem o controle das suas próprias vidas? E se tudo já está escrito e decidido por eles, existe motivo para continuar vivendo? É exatamente com estes questionamentos complicados que iniciamos a jornada do Escudeiro Valente.
PERSONAGENS CARISMÁTICOS
Além do herói Pontinho, outros personagens se apresentam de forma relevante durante a trama. Violeta, por exemplo, é uma jovem aprendiz de magia que utiliza o seu pincel mágico para transformar o mundo ao seu redor. Seu chapéu em tom de roxo e seu sorriso aparente escondem um grande problema: a garota não confia em si mesma e acredita que jamais será capaz de fazer a diferença no mundo. Amiga de infância do protagonista, Violeta logo sente a necessidade de mudar e entender o seu verdadeiro potencial, fazendo parte de um lindo arco de autodescobrimento que passa valiosas lições aos jogadores.
Se você gosta de música, então Batera certamente chamará a sua atenção: o adolescente é apaixonado por melodias, utilizando suas poderosas baquetas para preencher o ambiente com intensas ondas sonoras. Filho de Trolls das montanhas, ele é o herdeiro de uma linhagem de artistas ligados ao Rock’n’Roll e ao Heavy Metal. Batera é sempre otimista e espontâneo, tendo em segredo o sonho de honrar os seus ancestrais e se tornar um verdadeiro guerreiro do metal pesado.
No melhor estilo clássico moderno, Barbaluar pode ser definido como uma mistura entre Mago Merlin e Dumbledore. O sábio bruxo é extremamente habilidoso no uso da magia e serve de mentor para trio principal de heróis (Pontinho, Violeta e Batera), guiando os protagonistas no decorrer da aventura. Mas nem tudo são flores com este senhor de barba branca, pois ele esconde o maior segredo de seu mundo: Barbaluar sempre soube que seu reino não passava de plano de fundo para o desenrolar de histórias, escondendo a informação do povo para evitar caos e tristeza. Apesar disso, o seu senso de humor é invejável, tornando-o um dos personagens mais divertidos do game.
SALTANDO DO 2D PARA O 3D
Jogos de plataforma desenhados à mão não são tão incomuns no universo indie e até mesmo no meio triple AAA, com expoentes como Rayman Legends e Hollow Knight. A primeira vez que o público pode assistir à trailer de Escudeiro Valente, o game parecia um charmoso adventure plataformer, alternando entre segmentos 2D e seções com vista superior. Apenas este conceito já seria capaz de cativar uma legião de jogadores, mas a jornada de Pontinho tinha mais uma carta na manga: fases totalmente em 3D!
Além de executar com perfeição conceitos presentes em obras clássicas dos games ao permitir a exploração de belos cenários em duas dimensões, O Escudeiro Valente brilha no quesito inovação. Pontinho tem o poder de sair do livro de histórias infantis e passear pelo “mundo real”, enfrentando desafios ao se aventurar na mesa do artista de sobrenome Arthur, um jovem de 12 anos de talento excepcional no campo das belas artes. Destaco aqui que a transição entre os dois planos é suave e jamais passa a sensação de ser algo banal ou implementado de última hora; este é um elemento central e fundamental para que o jogo se destaque dos demais títulos presentes no mercado.
Quando está fora do livro, o protagonista pode escalar cadernos, atravessar pontes feitas de réguas de madeira e saltar perigosos vãos que se formam entre simples dados de jogos de tabuleiro. Também se faz necessário combater inimigos diversos, indo de besouros asquerosos a soldados do exército sombrio. Através destas jornadas por ambientes 3D, Pontinho pode obter poderes misteriosos e receber a ajuda de aliados inusitados, como uma arqueira elfa que vive dentro de uma carta de TCG, no melhor estilo Magic. Prefiro não dar mais nenhum detalhe sobre estes segmentos, pois quero que você mesmo aproveite as surpresas que certamente encontrará enquanto joga.
UMA NARRATIVA PERFEITA
O ponto mais alto de O Escudeiro Valente é certamente a força da sua narrativa. A história do game é contada no melhor estilo “fábulas da infância”, através da voz do sensacional Mauro Ramos, um profissional que você deve conhecer por ter sido dublador original da versão brasileira do personagem Shrek. Ele certamente é a prova de que vozes robóticas jamais chegarão no nível de um artista cheio de expressão e carinho pelo que faz.
É importante citar que cada momento do game conta um ritmo e tom diferente, indo do cenário alegre onde tudo está bem até situações de medo e angústia. O roteiro constantemente quebra a quarta parede, fazendo referências ao mundo real com eloquência e ironia. Nenhum diálogo é inútil ou desnecessário, construindo a realidade do universo onde vive o heroico Pontinho a cada fala e trecho narrativo.
É IMPOSSÍVEL FICAR ENTEDIADO!
Seria incorreto dizer que este é apenas um jogo de plataforma com elementos 2D e 3D; fazer isso seria insuficiente para descrever O Escudeiro Valente. Sim, o game certamente conta com sessões que exigem saltos de precisão, mas esta é apenas uma pequena parte da sua jogabilidade. Sabe aquele tipo de produção que surpreende o consumidor sem parar? É exatamente disso que o lançamento da Devolver Digital é feito.
O primeiro chefe do game, um texugo maluco caçador de mel, por exemplo, transforma The Plucky Squire em uma emocionante luta de boxe. A batalha de boss é uma clara homenagem ao clássico Punchout, franquia que marcou presença no Nintendinho, no Super Nintendo e no Nintendo Wii. O jogador precisa se adaptar ao ritmo dos golpes desferidos pelo adversário, desviando para os lados e aproveitando as brechas para encaixar diretos e ganchos.
Já quando temos a oportunidade de controlar o corajoso Batera, o cenário se altera e tudo se transforma em um jogo de ritmo. Os desafios da Violeta, por outro lado, lembram muito a franquia Bubble Bobble, hoje representada pelos populares jogos “match three”, o qual muitos devem reconhecer pelo enfadonho Candy Crush.
Como cereja do bolo, preciso comentar sobre um dos sistemas de jogos mais brilhantes que já tive o prazer de apreciar: quebra-cabeças com palavras. São apresentadas frases para o jogador que permitem que certas palavras sejam trocadas para modificar um elemento do cenário. Por exemplo: em uma parte do jogo, existe um inseto enorme trancando o caminho. Ao trocar a palavra “enorme” por “pequenino”, o inseto fica menor e é possível passar para a próxima página da aventura. Lembrando que isso já foi feito em inglês no Indie Baba is You, mas em português ficou ainda melhor!
VALE A PENA?
O Escudeiro Valente é uma das melhores experiências gamers do ano. O jogo é divertido, inovador e surpreendente. Seus visuais são lindíssimos e a sua história é muito interessante, passando mensagens importantes para os jogadores.
Eu sou incapaz de citar algum ponto negativo presente no game, por isso eu me sinto tranquilo em recomendá-lo para qualquer tipo de jogador. Simplesmente maravilhoso!