O mundo dos jogos eletrônicos já passou por inúmeras fases durante a sua história. Tudo começou com um simples game de tênis programado em um radar militar, para então evoluir para os fliperamas rudimentares. A ideia dos arcades era engolir fichas dos jogadores, por isso os jogos eram difíceis ao extremo, quase injustos se deseja saber a minha opinião. Com a chegada dos consoles de mesa, como o famoso Atari2600, o desafio agora era atingir uma grande pontuação, contexto inserido em jogos que se repetiam em looping. Mas tudo iria mudar com a terceira geração de consoles.

A chegada do Nintendinho e do Master System ao mercado trouxe jogadores mais casuais ao território gamer. O mesmo se verificou na geração seguinte, ao serem lançados o Super Nintendo e o Mega Drive. A ideia agora era desenvolver jogos que fossem menos complicados e pudessem apelar para o público infantil, trazendo títulos mais acessíveis como Super Mario World e Sonic The Hedgehog. Ainda existia espaço para games desafiantes, com modos de jogo mais punitivos, porém o mercado harcore já não era tão expressivo como antes. O design atrelado a dificuldade se tornara um mercado de nicho, permanecendo adormecido, salvas raras exceções, durante a quinta e sexta gerações. E então, de repente, não mais que de repente, o gigante acordou.

O monstro do processamento da Sony, o Playstation 3, foi palco de uma verdadeira revolução nos games: o lançamento do clássico Demon Souls. Um jogo sombrio, rico em enredo e construção de mundo, trazendo criaturas fantásticas e pesadelos horripilantes. Eis que o seu maior trunfo era algo escasso no cenário gamer: uma dificuldade extremamente elevada. Um movimento em falso e o seu personagem já era, podendo ser eliminado pelo mais inofensivo dos inimigos ou armadilhas. As batalhas tornaram-se uma dança que envolvia o aprendizado da movimentação inimiga e da aplicação do timing perfeito. Além disso, morrer significava perder o progresso da sua evolução naquele estágio. Com o design atrelado a dificuldade, nascia o gênero “Souls-Like”.

A filosofia de Demon Souls seria aplicada no seu sucessor espiritual, intitulado Dark Souls. Outros games beberiam da mesma fonte, como Bloodborne, Sekiro, Nioh e, é claro, Elden Ring. Com vendas satisfatórias e sucesso na crítica especializada, não haveria razão para expandir o público do gênero, correto? Afinal, não é possível jogar Dark Souls sem a tensão constante provocada pelo medo do game over ou a satisfação de vencer um inimigo fortíssimo após longos combates, não é mesmo? Enfim, faria sentido adicionar um modo fácil na família Souls? Afirmo que a resposta é muito mais complexa do que muitos imaginam.

Todo jogo possui uma ideia central, um elemento primordial pelo qual cria-se sua experiência. No Fifa, por exemplo, o sistema de regras do futebol é essencial; sem elas, o game não tem razão de existir. Já em Super Mario Odyssey, a mecânica de possuir inimigos com o auxílio do Cappy é soberana; todo o jogo é projetado tendo esse recurso em mente. Caso Dark Souls tenha sido desenvolvido com a dificuldade em mente, retirá-la destruiria o propósito do game? Será que ser difícil é a única coisa que define um Souls-Like? Se a resposta for sim, então um modo fácil não faz qualquer sentido, pois resultaria em uma experiência insossa e sem-graça para o jogador. Porém, eu duvido muito que uma obra prima como Elden Ring, por exemplo, só tenha a tensão mortal para oferecer aos players. Gráficos, enredo, jogabilidade, universo, personagens, design, trilha sonora; tudo conta como experiência de jogo. Olhando por esse prisma, não é preciso que os games Souls sejam difíceis para serem bons.

A palavra mais importante da revolução digital do século XXI com certeza é acessibilidade. Sistemas complexos que exigem treinamento ou formação para serem utilizados tornam-se campos de nicho, utilizados apenas por usuários experientes e tradicionalistas. Já um produto bem disseminado é mais simples, mas serve como porta de entrada para novos usuários. Peguemos como exemplo os filmes de super-herói da Marvel: ao invés de exigirem a leitura de centenas de HQs, resumem os elementos principais de um personagem em 2 horas. E é justamente esse contato que incentiva o aprofundamento desses novos fãs no universo das franquias. Da mesma forma, um modo fácil em um jogo atrairá novos jogadores, mesmo que ofereça uma experiência mais rasa e menos interessante. O que ocorrerá é que esses novatos ficarão interessados no título, esforçando-se, por si mesmos, para enfrentar níveis maiores de dificuldade.

O grande argumento dos jogadores contrários ao modo easy em “Souls-Like” é de que os jogos ficarão ruins e perderão a sua essência. Outros dizeres como “se não consegue zerar no hard, nem jogue” são fruto de um egoísmo exclusivista, como crianças que não querem emprestar a bola de futebol para que outros se divirtam. O grande ponto a ser considerado é o seguinte: ao inserir o modo fácil em um jogo, o modo difícil será prejudicado? Se a resposta for não, qualquer argumento contrário a sua implementação é inválido. Mas e se a experiência do jogador do modo easy for ruim? E se for tediosa? Aí, em minha opinião, fica a critério do player. Se o consumidor escolhe uma forma piorada de consumo, a responsabilidade é apenas dele. Enfim, resumo aqui a minha opinião: quanto mais acessibilidade melhor, não só nos games, mas em qualquer coisa. Desde que o produto não sofra terrivelmente com a expansão, o chamado modo fácil deve ser uma opção a ser considerada, ficando a cargo de cada desenvolvedor o veredito final.

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Jornalista, Youtuber e Influencer há 12 anos trabalhando com games

1 comentário

  1. Giovane Henrique on

    Discordo, colocando um modo de dificuldades em jogos como Dark Souls, Demon Souls, ou até Eldenring faz perder a graça da experiência de jogos da franquia souls. Acho que fica colocando “acessibilidade” em tudo que tipo de coisa faz com as coisas percam sua essência tornando o jogo mais “Jogo como eu quiser por que sim”. À franquia souls demonstra que, voce tem SIM uma dificuldade para o qual teria que superar seus limites. Meu ponto de vista, mas, acho que você Gui não deveria expor esse tipo de opinião
    Primeiro ponto: você como um JORNALISTA, tem que se manter com que é a premissa do game
    Segundo ponto: expor essa opinião só decepciona por que, “ai os jogos devem sim padronizar um nível de dificuldade para as pessoas poderem jogar”, Não, Não deve, o primordial dos jogos não tinha um “selecione sua dificuldade” e jogos como a franquia souls como dito, tem fama de jogos por suas dificuldades extremas na qual você precisa REALMENTE se superar pra conquistar um final ou até uma “platina”.
    Agora vai minha opinião, você fala que deve ter seleção de dificuldade por que você não consegue zerar, fica tranquilo esse tipo de jogo não é pra todo mundo mesmo.
    Sei que esse não é seu feitio, mas não fui desrespeitoso muito menos, o motivo desse texto foi pra te diminuir nem nada do gênero, só expressei minha opinião, tem total direito de responder ou de refutar, mas que seja com respeito.

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